terça-feira, 22 de setembro de 2009

Rancho das flores - Vinícius de Moraes


Entre as prendas com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar
É um milagre do aroma florido
Mais lindo que todas as graças do céu
E até mesmo do mar
Olhem bem para a rosa
Não há mais formosa
É flor dos amantes
É rosa-mulher
Que em perfume e em nobreza
Vem antes do cravo
E do lírio e da Hortência
E da dália e do bom crisântemo
E até mesmo do puro e gentil malmequer
E reparem no cravo o escravo da rosa
Que é flor mais cheirosa
De enfeite sutil
E no lírio que causa o delírio da rosa
O martírio da alma da rosa
Que é a flor mais vaidosa e mais prosa
Entre as flores do nosso Brasil
Abram alas pra dália garbosa
Da cor mais vistosa
Do grande jardim da existência das flores
Tão cheias de cores gentis
E também para a Hortência inocente
A flor mais contente
No azul do seu corpo macio e feliz
Satisfeita da vida
Vem a margarida
Que é a flor preferida dos que tem paixão
E agora é a vez da papoula vermelha
A que dá tanto mel pras abelhas
E alegra este mundo tão triste
No amor que é o meu coração
E agora que temos o bom crisântemo
Seu nome cantemos em verso e em prosa
Porém que não tem a beleza da rosa
Que uma rosa não é só uma flor
Uma rosa é uma rosa, é uma rosa
É a mulher rescendendo de amor.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

É como se eu nascesse todo dia.


Não é incrível que existam bananeiras, abacateiros e jabuticabeiras? De onde será que veio tudo isso?
Todo dia eu me faço as mesmas perguntas. É como se eu estivesse vendo as coisas do mundo sempre pela primeira vez. Os vales, a chuva, os mares. A terra, os animais e as floretas. O fogo, o tempo e a claridade. Sem falar no céu com todas as suas estrelas e na lua com todas as suas fases. Como surgiu tudo isso?
Os meus porquês são palavras incontáveis. O sentimento de absurdo me invade quando reparo na arquitetura humana. O sistema nervoso, veias e artérias, músculos e ossos, cérebro e coração. Bocas e braços, narizes e olhos, ouvidos e mãos. O ser humano é feito de uma perfeição absurda. Realmente inexplicável. Me admiro o tempo inteiro e acredito que nunca vou me acostumar com as coisas do mundo. Quem criou tudo isso? A resposta óbvia me remete a Deus e eu pergunto: Se Deus criou tudo, quem criou Deus?
Se tudo surgiu dele, de onde ele surgiu então? As perguntas continuam sendo as mesmas, só muda o sujeito da oração. Eu vejo as coisas do mundo como quem assiste à um espetáculo de mágica. Num grande truque, o belo coelho branco surge de dentro da cartola até então vazia. Como assim? Não sei. Mas quero muito saber. Todo dia eu acordo buscando saber quem sou e de onde vem o mundo. E me faço as mesmas perguntas. É como se eu estivesse vendo as coisas do mundo sempre pela primeira vez. É como se eu nascesse de novo, todo dia.

domingo, 13 de setembro de 2009

Pratododia

Prato do dia: arroz com feijão, feijão com arroz! Especialidade da casa. Só feijão não tem graça, só arroz não tem gosto. É nessa hora que se junta tudo numa coisa só. Garfo e faca observam o eclipse do feijão com o arroz no prato sobre a mesa. Enquanto eu não te disser como foi o meu dia, parece que nada do que aconteceu foi, de fato, real. Só viver não tem graça, só respirar não tem gosto. Sol e lua observam o eclipse da poesia com a prosa na garoa sobre a cidade. É nessa hora que se junta tudo numa coisa só. Especialidade da casa. Pra todo dia: eu contigo, você comigo!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A menina esquisita.

Dizem por aí que sinos imaginários tocam quando conhecemos pessoas especiais, mas com a Menina não foi assim. Ela era esquisita e, como toda gente esquisita, ela reagia de forma esquisita. Pois bem, embora fosse dia de festa e o salão estivesse abarrotado de gente, ela permanecia quietinha num canto porque era esquisita e gente esquisita geralmente age assim em festas, como se fosse um patinho feio de penetra no banquete dos cisnes. Tudo corria dentro do previsto e ela encenava seu papel de esquisita com toda a convicção do mundo. De repente, a coisa desandou. O Menino a viu ali naquele canto com aquela cara de esquisita e no que pegou em sua mão já rodopiava pelo salão. Entre assustada e eufórica, ela foi deixando cair a máscara de esquisita nos braços do Menino. No dia seguinte, a cartela de Tylenol reluzia em cima da cabeceira. Não ouviu os tais sinos, nem badalos, nada de violino ao fundo e nem sirene de ambulância dava sinal de alerta. Estava tão encantada com o Menino que só o fato de lembrar que ele existia a deixava com dor de cabeça. Ela era esquisita e, como toda gente esquisita, ela reagia de forma esquisita. Onde já se viu passar dias e dias com dor de cabeça de felicidade?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

...

 
Já te aconteceu de gostar muito de alguém com quem você não consegue conviver? Pois é.. E é tão estranho.. Querer conversar, mas saber que não consegue; querer estar perto e saber que não suportaria; querer amar e saber que sofreria.. Pois é. Acontece. E depende de você decidir se prefere dedicar o seu amor pra essa pessoa com todos esses poréns.. Ou pra você. Meu amor-próprio ainda é maior. Se isso é bom, não sei.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Afinidade

Afinidade acontece. Um mesmo signo, um mesmo par de sapatos caramelo, um mesmo livro de cabeceira. Afinidade acontece entre seres humanos. A mesma frase dita ao mesmo tempo, o diálogo mudo dos olhares e a certeza das semelhanças entre o que se canta e o que se escreve. Afinação acontece. Um mesmo acorde, um mesmo som, uma mesma harmonia. Afinação acontece entre instrumentos musicais. A mesma nota repetidas vezes, a busca pela perfeição sonora e a certeza das similaridades entre um tom acima e um tom abaixo. A incrível mágica acontece quando os instrumentos musicais descobrem afinidades humanas entre si no mesmo instante em que os seres humanos descobrem afinações musicais dentro deles mesmos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Má gramatica da vida

A vida é bem maior do que as regras gramaticais da nossa língua portuguesa. 
A vida é bem maior que nós, com todas as nossas tentativas de entendimento, com toda a nossa agressividade cotidiana, com toda a nossa alegria febril, com todas as nossas tempestades e todos os nossos copos d’ água. A vida é bem maior que nós, com todo a nossa fúria de ocasião, com todo o nosso desespero momentâneo, com toda a nossa solidão etérea, com toda a nossa capacidade ou incapacidade de estender a mão.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

E o sono de Mariana sempre chegava antes do fim da história

 - A menina andava na beira da praia recolhendo espelhos partidos, conchas amarelas e estrelas de cinco pontas. Chamava-se Ana, a menina de cândida doçura. 
As ondas induziam cavalos-marinhos a fazerem cócegas nos seus pés. A maré mudava de acordo com o relógio biológico dela. E os pescadores das redondezas costumavam consultar o horóscopo da menina antes de conduzir suas embarcações. 
Corria a boca pequena que a paixão do Mar por Ana sincronizava o ritmo e o som das águas. Era realmente um atrevimento, um despautério aquele caso de amor. Ninguém concordava ou achava possível que aquilo pudesse ter um final feliz.Num dia de sol e chuva, a menina subiu na pedra mais alta, tirou o relógio e mergulhou nos braços azuis do seu amado.
E o encontro de Ana e Mar foi como sal e doce se sobrepondo na mais inesperada combinação - E o sono de Mariana sempre chegava antes do fim, na melhor parte da história que sua mãe insistia em lhe contar todas as noites.

domingo, 6 de setembro de 2009

É tudo tão diferente (deve ser).

O tempo batia as asas. No mundo dela era sempre noite. Mesmo de manhã, o céu permanecia no mais completo breu. Cansada daquela mesmice, passou a questionar os porquês de sua existência e da origem do mundo no qual vivia. Procurava a lógica dos fatos e se perdia em suas próprias explicações. Uma idéia fixa martelava em sua cabeça: precisava sair dali e descobrir se tudo era sempre daquele jeito ou se lá longe, bem distante, haveria uma outra realidade. E pôs-se a caminhar. Todo chão era pouco perto do desejo que a movia. E então chegou numa das pontas do mundo: tudo continuava a ser sempre daquele jeito e lá longe, bem distante, não havia nenhuma outra realidade. Deu a volta e seguiu obstinada.
Quanto mais andava mais sentia o tamanhão do mundo. De seus pés brotavam calos. O corpo padecia, descascava, transmutava. E os porquês se tornavam cada vez mais audíveis reverberando nas paredes de seu coração. E no que cruzou o sul, o norte, o leste e o oeste do mundo: tudo continuava a ser sempre daquele jeito e lá longe, bem distante, não havia nenhuma outra realidade. Quanto mais andava mais sentia o tamanhinho do mundo. Não havia mais pra onde ir e seu corpo também não suportava mais acompanhar o ritmo frenético dos porquês de sua cabeça. A massa corpórea dela padecia, pipocava, inchava. Achou que fosse morrer naquele instante e quando olhou de volta para si foi que percebeu a transformação. O corpo dela havia crescido tanto que já não cabia em seu mundo.
Com toda aquela pressão, o céu foi se rasgando vagarosamente até revelar a luz. Em seu novo mundo era sempre dia. Mesmo de noite, as estrelas garantiam uma luminosidade que ela jamais poderia prever enquanto lagarta andante dentro da caixa de sapato.  
Agora era diferente. Ela batia as asas.

(Maira Viana)

sábado, 5 de setembro de 2009

Com licença, eu posso entrar?


.. eu sei que a casa também é minha, mas ela já tem tanto de nós que nem me sinto mais à vontade pra chegar assim sem avisar, sem marcar hora, sem ao menos um prefácio. Não é fácil. Eu só vim buscar umas coisas, não pretendo me demorar. É só o tempo de tomar um café, de separar as xícaras, os discos, os livros. A secretária eletrônica transmite os recados em vozes familiares. Substantivos, verbos, sujeitos e predicados. Orações mal formuladas. Sinto falta do nosso silêncio à dois. Sinto falta dos adjetivos nas mensagens que ouço. Eles devem estar nos meus textos da madrugada. Todos traduzem a fé em nós. Afinal, onde termina a música e onde começa a história? Afetos arquivados em pastas de computador. Deixarei um lembrete da próxima vez: “salvar nossa fé em disquete”. Eu sei que a culpa também é minha, mas ela já tem tanto de nós que nem sinto vontade de partir assim sem avisar, sem marcar hora, sem ao menos um prefácio. Não é fácil. Como licença, eu posso ficar?

(Maira Viana)